Estamos completando 100 dias em casa.

Sem aulas, sem clube, sem saí­das, sem avós, sem primos, sem amigos, sem rua, sem brincadeiras na garagem, sem atividades fí­sicas adequadas, sem sol adequado.

Não quero entrar no mérito de que tem gente em pior situação, sem ter como manter os filhos estudando, sem ter comida suficiente. Penso todos os dias naqueles que precisam sair í s ruas para conseguir levar o pão pra casa. Sei que tem aqueles que não vão ter nem esse pão. Há também os que sequer abrigo.

Nossa situação é boa. Temos casa, comida, trabalho. As crianças podem continuar as aulas remotamente. Podemos fazer compras pela internet. Podemos comprar comida pronta quando necessário ou simplesmente quando desejamos. Podemos ficar em casa, seguros, no quentinho. Podemos assegurar que nossos pais fiquem seguros. Ou seja, privilegiados. Ainda mais que somos um casal companheiro. Não brigamos por causa do isolamento. Temos dias difí­ceis no trabalho, com as crianças, mas (falo por mim) estar ao lado Dele é sempre bom, 24 horas por dia.

Mas… estamos há 100 dias em casa com duas crianças cheias de energia, crianças ativas, que já estão ficando cansadas. Estão crescendo rápido, se desenvolvendo, com saudades das avós, com saudades dos tios e primos, com saudades dos amigos. Crianças que estão sem aulas presenciais, penando com as aulas online, com os ‘para casas’ intermináveis e ainda com pais eventualmente nervosos por não saberem como será o dia seguinte em relação a essa pandemia. Para os dois filhos também tem dias bons e ruins. í€s vezes falam que o dia está ótimo, í s vezes a gente percebe que estão aflitos com a situação. Eles têm tido mais medos í  noite, estão carentes.. O marido trabalha que nem um condenado siberiano, praticamente sem tempo para dormir (mesmo assim dá a atenção que as crianças demandam) e assim seguimos.

E vou ser muito franca. Há dias que os meninos transformam a casa em um verdadeiro inferno e nós nos irritamos muito. Temos em casa (e eu espero que ele leia isso em algum momento da vida) um garotinho muito esperto e que está na fase de contestar tudo o que pedimos. Nossa moça também é contestadora, mas quando temos uma conversa franca com ela parece compreender com mais facilidade o momento em que nos encontramos. Ele não e muitas vezes o ‘para casa’ vira uma tarefa muito angustiante, tanto para nós quanto para ele. Lembrando que nosso trabalho e prazos Ní‚O param e nada foi facilitado neste perí­odo, muito pelo contrário.

Será que precisávamos passar por isso tudo, pelo menos dessa forma??

Em vários outros paí­ses a quarentena foi feita e, aos poucos, a situação tem sido contornada. Pessoas mais conscientes (cada paí­s reagiu de uma forma) tomaram as precauções necessárias, ficaram em casa, respeitaram o comando de seus governantes. Mesmo paí­ses que deram uma pisada na bola no iní­cio, como a Inglaterra, voltaram atrás e definiram que o isolamento seria necessário.

O que aconteceu, meu deus, aqui? Qual a razão pela qual temos tantos negacionistas da doença? Prefeitos e governadores precisaram brigar para definir seus protocolos. E, enquanto isso, vimos o idiota do presidente indo pra rua, abraçando pessoas, pedindo que fossem pras ruas trabalhar.

Nunca, em nenhum momento, tivemos a voz do poder federal em favor da saúde do povo. A besta fera agiu em desconformidade com tudo o que a OMS definiu. Deslegitimando a OMS, inclusive, e tudo o que envolve a ciência.

Hoje uma ignorante me disse que esse “ví­rus chinês” é o mal do mundo. Burrice em sua forma mais pura.

Não há que se falar em “ví­rus chinês“. O ví­rus é do mundo, é da natureza, é da vida (até agora não se sabe sua origem com certeza, mas as chances de ser produzido são quase nulas). O mal do mundo é compactuar com uma pessoa (e votar nela) que defende torturador, que acha lindo ser homofóbico, misógino, machista. E essa mesma pessoa agora simplesmente não liga se 20 ou 50 ou 100 mil brasileiros vão morrer dessa doença aterradora.

Mas é aquela coisa: ele nunca ligou e todos sabí­amos disso. Quem não sabia é outra besta ou muito mau caráter. E olha que estou falando só de corona; nem menciono nenhuma das outras atrocidades dessa criatura.

Bolsonaro não saiu matando as pessoas com suas próprias mãos, mas suas decisões, suas falas e suas atitudes mataram milhares de pessoas. Sua ineficiência, sua necessidade de agradar aos interesses dos milionários e sua pouca empatia mataram todos esses quase 54 mil brasileiros (olhei agora) e vão matar muitos mais.

Hoje no Brasil contamos com os prefeitos e governadores. Aqui em Minas Gerais contamos com o prefeito, no qual votei apenas para “não deixar” o oponente ganhar. Mas acabei ficando feliz com meu voto, pois ele teve pulso firme e segurou Belo Horizonte por um tempo. A fase de flexibilização, inclusive, foi estabilizada agora, pois os casos estão aumentando muito. Mas ó.. tinha que ter fechado era mais, mas os interesses financeiros são sempre maiores.

De toda forma, um paí­s grande como esse precisava ser liderado por alguém mais inteligente, pelo amor de deus! E não por esse ‘jegue que se cair não levanta’. A voz de uma autoridade máxima, sem brigas com governadores e prefeitos, levaria a um comando único nacional, com as pessoas ficando em casa, usando suas máscaras para as saí­das indispensáveis, enquanto o serviço essencial continuava seu rumo. Se tivesse havido mais disciplina talvez estivéssemos com mais controle agora.

É muito importante frisar que os eleitores do verme são mais resistentes ao isolamento e í  proteção pessoal nas ruas. Exatamente porque o Bosta, com suas atitudes ignorantes, leva (esse tipo de) o cidadão a crer que a situação é melhor do que é na realidade. E aí­ durante todo esse perí­odo de 100 dias tivemos que ver vizinho fazendo festa, pessoas burlando praças fechadas para correr ou andar de bicicleta.. Também né.. quem votou na besta só pode ser besta. Pronto.

Eu fico muito penalizada pensando nos comerciantes e donos de estabelecimentos que tiveram que fechar suas portas. Não consigo fazer um julgamento de quem começa a ficar apertado de dinheiro e se desespera. Mas julgo – e muito – aquela pessoa que age contra as regras sem necessidade. Vai de forma escusa ao cabeleireiro, í  academia (importante morrer sarado ou fazer bonito no enterro dos outros?).. sai para passear, vai a cultos e missas (gente, se tem um deus ele deve estar ouvindo vocês de casa mesmo, apesar da grande demanda).

Ah, para. Só para. Nem eu nem você estamos felizes com isso tudo. Se eu posso sossegar meu rabo em casa, porque você não pode?

Também faço um aparte para falar de regiões mais pobres. Não estou comparando uma pessoa de classe média, que insiste em fazer a corridinha na Lagoa Seca, com uma pessoa que mora num cubí­culo, rodeado por mil vizinhos. Ou com uma pessoa que mora em uma casinha/barracão junto a vários filhos. O que me enraivece é aquela pessoa que pode ficar em casa e não fica, que só pensa em si. Até por essa diferença social, temos ainda mais obrigação de fazer o isolamento e dispensar nossos funcionários domésticos (com pagamento), pois, ao contrário, terão que diariamente pegar ônibus, circular e se colocar em risco.

A gente vê, sim, várias ações da sociedade civil em prol de comunidades carentes, mas o que eu gostaria era de ver menos caridade e mais luta por polí­ticas que diminuam a desigualdade.

Enfim, 100 dias em casa, lidando com inúmeros desafios. Mas também 100 dias bem movidos ao ódio por viver num lugar de gente tão atrasada, tão egoí­sta, tão vaidosa a ponto de furar a quarentena em seu pior perí­odo para alisar o cabelo, para fazer atividades fí­sicas, para ir beber com os amigos.

Vidas que se foram desnecessariamente valem bem mais que isso.

Fora Bolsonaro, Fora Genocida.