O Poder e a Glória, O lado negro do Vaticano de João Paulo II
Poucos livros foram tão interessantes para mim quanto este, O Poder e a Glória, O lado negro do Vaticano de João Paulo II, de David Yallop.
O autor britânico foi um dos repórteres investigativos que vasculhou a morte de João Paulo I, Albino Luciani, e escreveu “Em nome de Deusâ€, o best seller publicado na década de 80 que trouxe í tona a possibilidade do assassinato deste papa, além dos escândalos de cunho financeiro e sexual que ainda apodrecem o Vaticano. Desde então David Yallop fez inúmeras pesquisas, entrevistas, investigações, e obteve muitas informações de dentro do próprio Vaticano. Muitos de seus informantes foram perseguidos pela Cúria e isto é apenas uma gota da maldade que permeia um meio que se diz santo, que se diz porta-voz de deus.
Achei curiosa a informação, ainda no prefácio do livro, que João Paulo II aboliu o quinto passo para a beatificação, que seria a indicação de um promotor fidei – o advogado do diabo na linguagem popular. Explico: para a beatificação ocorrer é preciso que se investigue e se exponha cada faceta da vida do beatificado. E o promotor fidei é aquele que aponta falhas ou pontos fracos nas provas apresentadas. É aquele que levanta as objeções no processo de beatificação. Como você deve saber, Karol Wojtyla ruma í santidade. Ainda em vida já sabia de tal plano e, com certeza, não quis que sua trajetória fosse tão exposta assim.
O Poder e a Glória desnuda a vida do papa João Paulo II, escancarando ainda o campo minado do Vaticano e as práticas nada religiosas adotadas por seus membros. Seria muito interessante que cada católico tivesse acesso a este livro e se dispusesse, sem ódio ou preconceito ao autor, conhecer sua igreja. Eu, batizada na igreja católica ainda bebê, tenho o imenso prazer em dizer que sou uma adulta ateia e que, se pudesse, participaria de um rito simbólico de desbatismo. Afinal, não quero continuar sendo estatística. Não quero ter meu nome associada a esta religião.
É óbvio que não digo que todos os padres (e afins) sejam pessoas más. De forma alguma. Muitos foram e são perseguidos pela própria igreja a que pertencem (especialmente durante ditaduras). Muitos são impedidos de provocar mudanças. Há gente boa e bacana em todo lugar. O problema é que a nata da igreja católica, com seus preceitos arcaicos e absurdos, cujo único fim é o poder, continua mandando em uma massa considerável, determinando como devem se comportar, o que devem fazer com seus corpos, e, trágico: determinando como continuarão pisando nas mulheres. A igreja católica, como bem diz meu irmão mais velho, odeia mulheres. Misóginos a todo vapor a serviço de deus. E em nome deste ser incrível e invisível vamos nos atolando em falsos moralismos, em pudicismos hipócritas, em culpas, e nos esquecendo da moral, da ética, da decência.
Mas vamos ao livro novamente. O autor explica como e porquê Karol Wojtyla fora o papa escolhido, o apoio dos comunistas e, quando da juventude de Wojtyla, a intimidade com o nazismo (fatos negados pela história oficial). Já em outra época da história os conflitos diante da Teologia da Libertação e a perseguição a padres. A omissão frente a genocídios na América Latina, o apoio escancarado a várias ditaduras militares, inclusive a brasileira. Fala-se que padres davam a extrema unção a perseguidos políticos argentinos antes de eles serem jogados ao mar. O livro traz muita informação sobre países latinos cujas histórias pouco conhecemos. É de assustar quanta violência fora cometida em décadas bem recentes, sendo que a igreja costumeiramente estava ao lado do opressor.
A parte dos embustes financeiros ocorridos no banco do Vaticano só não é mais podre que a parte que trata dos abusos sexuais, perpetrados contra crianças e mulheres. Assassinatos, tortura, morte. Quanta desgraça nos colégios internos, quanto sofrimento! A cúpula, os de alta patente, o papa… todos ficavam sabendo das relações doentias que se travavam nestes lugares. Mas ninguém seria punido, nunca. Afinal, não dá para sujar o nome da instituição. E, por ela, o sofrimento alheio seria aceitável.
Deu vontade de questionar todos os católicos que conheço sobre o porquê de eles se renderem a uma instituição criada por homens de caráter falho, que apenas trazem em suas mãos a suposta palavra de deus e se intitulam seus representantes.
Voltando ao banco do Vaticano, foi imensamente financiado por criminosos, integrantes da máfia, assassinos e traficantes. Sua primeira grande leva de recursos foi propiciada por Mussolini, o grande mecenas da igreja católica.
O autor menciona, algumas vezes, que João Paulo II foi, sim, amado. Mas que em alguns países sua imagem foi mais amada que suas palavras. Para constatar isto apresenta pesquisas que mostram que muitos católicos continuam se dizendo católicos, muitos continuam participando dos atos católicos (batismo, primeira comunhão, crisma, casamento religioso..), mas não agem estritamente como católicos. Ou seja: fazem sexo antes de se casarem, usam anticoncepcionais, fazem sexo por prazer, são a favor do aborto em alguns casos, se divorciam, casam-se novamente, fazem tatuagens …
Se a palavra da igreja estivesse realmente morta seria um alento. Porém, ainda que as pessoas ajam em desacordo com as regras eclesiásticas (no que as prejudicam, hipocrisia mode on), a igreja continua influenciando o Estado. E palpita sobre tudo e todos, impedindo, em várias áreas, um avanço real da sociedade.
Enfim, leia O Poder e a Glória, o lado negro do Vaticano de João Paulo II. Leia sem pressa. Passeie pela história da Polônia, do México, conheça mais sobre as ditaduras da Nicarágua, de El Salvador, relembre os acontecimentos nos Bálcãs, saiba quem estava financiando o quê, quando e porquê. Veja o quanto pessoas ‘religiosas’ podem ser perversas, tão perversas quanto os mafiosos italianos. Revolte-se como eu. E espalhe a ideia.
Aproveite e leia a entrevista dada por David Yallop ao Resenhando.com. Muito bacana.